Por que estamos tão nostálgicos?

Ideia Crítica
4 min readDec 28, 2021

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televisões e videogame em cima de um tapete

A cultura da segunda metade do século 20 deixou um legado gigantesco na sociedade. E nos dias de hoje ela volta a ser revisitada em peso, seja no cinema com a volta de velhas franquias, na música com artistas e sons que nos remetem ao passado, no estilo com roupas e acessórios vintage e por aí vai. Talvez os mais jovens digam que somos cringe, mas a realidade é que a marca cultural dessas décadas está presente em todo lugar atualmente, se repetindo na forma de pastiches e paródias que nem mesmo as novas gerações podem evitar de consumir.
Esse sentimento de reviver o passado que a cultura de hoje nos proporciona é muito bacana, seja trazendo de volta os anos 90 com seus filmes e seriados marcantes, os anos 80 com suas roupas e cabelos extravagantes ou os anos 70 com suas bandas e músicas inesquecíveis. Mas isso também nos leva a indagar: por que estamos tão nostálgicos?

Segundo Mark Fisher, o século 21 é oprimido por uma esmagadora sensação de finitude e exaustão. Diante de um presente colonizado pelo passado, nós perdemos cada vez mais nossa capacidade de criar novas expressões culturais. E não só no campo da cultura, mas no campo da política também: desde os anos 90 passamos a aceitar o “fim da história” declarado por Fukuyama. De lá para cá o neoliberalismo avançou deliberadamente pelo mundo e com ele a impossibilidade de imaginarmos uma nova forma de organização da sociedade para além do capital, é o que Fisher chama de Realismo Capitalista.

Diante desse desaparecimento do futuro, onde não conseguimos conceber um mundo radicalmente diferente no qual vivemos, aceitamos uma cultura que não tem nada de novo a oferecer, um governo que não tem nada de novo a oferecer, uma vida que não tem nada de novo a oferecer. Em Ghosts of My Life Fisher declara que o nosso futuro foi cancelado. É por isso que a nostalgia cresce tanto nos dias de hoje, porque estamos buscando voltar a um período onde ainda era possível imaginar um futuro, pois essa nostalgia não é apenas um tributo ou uma forma de revisitar o passado, mas a única alternativa viável de nossa cultura.

De acordo com Fredric Jameson, nossa cultura pós-moderna é incapaz de se focar no presente, somos incapazes de representarmos nossas próprias experiências atuais — por isso o passado segue voltando, porque não podemos nos lembrar do presente, pois não existe um presente para ser articulado hoje em dia. Conforme vamos nos tornando mais dependentes da tecnologia, nossa noção de tempo e espaço vai sendo deslocada da realidade — através dos smartphones não precisamos mais estar presentes no aqui e no agora, basta olhar para a tela do celular e adentrar um mundo fora do aqui; além disso, outra questão problemática é a perda da perda: hoje em dia nada se perde, nada é único, pois basta nos conectarmos para reprisarmos aquele gozo vivido uma vez, como assistir a uma série ou um filme favorito pela trigésima vez. Em outras palavras, estamos vivendo dentro de um loop infinito.

Agora, essas tendências nostálgicas que estamos acompanhando no mundo contemporâneo, sintomas da pós-modernidade e do capitalismo tardio, nos levam a uma outra questão: que passado é esse que tanto desejamos reviver?
Conforme nosso futuro se torna cada vez mais incerto, nos voltamos para um passado utópico onde tudo parecia mais fácil, onde tínhamos trabalhos decentes, onde o dólar era barato, onde a grama era verde, etc. Cite o que quiser, o passado sempre parece mais atrativo do que o mundo atual, isso porque nossas expectativas estão cada vez mais baixas. Contudo, essa nostalgia dos velhos e bons tempos é apenas um fantasma, um simulacro que distorce o mundo e nos distancia da realidade.

Em Espectros de Marx, Jacques Derrida dialoga com a declaração de Hamlet “The time is out of joint” (O tempo está fora dos eixos). Aqui ele desenvolve o conceito de Hauntologia, um produto do tempo desconjuntado no qual vivemos. No original Hauntology, o conceito refere-se ao ser (ontology) assombrado por seus fantasmas (haunt), fantasmas do que poderia ter sido e do futuro que ainda não é. Esses espectros, os quais não sabemos se voltam do passado ou do futuro, permanecem rondando entre a presença e a não presença, estão sempre aqui, nem vivos nem mortos, são reflexos do espírito de nossa época, nos assombram com a nostalgia por todos os futuros perdidos.

Contudo, essa promessa de um futuro ainda paira sobre nós, mesmo não estando em nossa presença. Ela é um espectro que ronda livremente e jamais poderá ser eliminado, pois podemos até destruir uma ideia, mas não podemos nos livrar de seu fantasma. Portanto, devemos parar de repetir a nostalgia e começar a desenvolver a imaginação, seja na cultura, na política ou onde quer que seja, pois não existe um tempo melhor para voltarmos, é preciso lidar com o mundo de agora. E para isso devemos entender a história, não para que ela se repita, mas sim para transformá-la.

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