O passado, presente e futuro do Bolsonarismo

Ideia Crítica
6 min readNov 26, 2022

--

Durante as últimas semanas acompanhamos uma série de cenas trágicas que nos mostraram a essência do bolsonarismo. Muitas delas foram hilárias, vamos admitir; mas não deixaram de ser assustadoras, porque elas comprovam que Bolsonaro não é apenas um político com uma agenda ultraliberal, mas o líder de um movimento conservador (e revolucionário) extremamente nocivo para a sociedade. Apesar das dezenas de provas concretas de que seus quatro anos no governo foram um fracasso econômico e social, os mais devotos seguidores do “Mito” não deixam de acreditar que ele é o salvador deste país. Portanto, mesmo perdendo as eleições, é bem provável que o bolsonarismo tenha futuro, ao menos que sejam tomadas atitudes radicais para arrancar esse mal pela raiz. E o primeiro passo é entender esse fenômeno, por isso este texto se dedica a tentar esclarecer questões que desde 2018 ficam batendo na minha cabeça e que acredito na de muitos outros também.

Como surgiu o bolsonarismo?

Quando buscamos entender esse fenômeno, as manifestações ocorridas em 2013 e 2015, o escândalo da Lava Jato e o impeachment de Dilma nos dão pistas da origem do bolsonarismo. Contudo, esses eventos apenas representaram a explosão de diversas movimentações que já estavam ocorrendo na sociedade brasileira há tempos. Dentro desses movimentos a identidade bolsonarista foi se construindo, antes mesmo de Jair ser figura central e darmos nome aos bois (piada desintencional). Entre os elementos que formam o bolsonarismo podemos citar como principais o anticomunismo, o libertarianismo econômico, o combate à corrupção e o conservadorismo. O medo do comunismo e o crescimento das ideias liberais surgiram no momento em que a direita brasileira estava mais acuada: enquanto o país vivia uma ascensão econômica com os primeiros mandatos do PT, a oposição, que contava com os maiores grupos empresariais e midiáticos do país, fomentava pelos meios de comunicação ideias conspiratórias sobre planos de dominação da esquerda global, assim como sua ideologia do empreendedorismo e devoção ao “Mercado”. Avançando para os mandatos de Dilma podemos observar o sucesso dessa estratégia caracterizado na figura do MBL, que teve papel crucial nas manifestações e no golpe de 2016. Com o país entrando em uma das piores crises econômicas e o escândalo da Lava Jato se tornando um dos maiores eventos midiáticos da história, a direita obteve todas as ferramentas que precisava para tornar a esquerda o grande culpado pela corrupção e pelo fracasso econômico do país, fortalecendo suas ideias liberais e pró-mercado como a única solução para o Brasil. Por fim, não podemos esquecer do elemento principal que caracteriza e compreende a ideia central do bolsonarismo: o conservadorismo social. Diferente dos demais elementos, a ideologia conservadora se encontra presente na sociedade há muito tempo, porém, com as conquistas sociais de grupos minoritários, como o movimento feminista e lgbt, o pânico acendeu a chama tradicionalista para lutar pela defesa dos valores da família e impedir que “crianças aprendam a fazer sexo nas escolas”.
Juntando tudo isso, nós resumimos o ideário do “cidadão de bem”, contudo, a paixão e defesa irrefreável desses valores e de seu líder, as quais testemunhamos em cenas deploráveis das últimas semanas, demonstram que existem elementos que vão além da realidade empírica para apreender esse fenômeno.

Por que os bolsonaristas não vão para casa?

A recusa dos bolsonaristas a aceitarem o resultado das eleições, implorando aos militares que tomem as ruas para que o Brasil retorne a um dos piores momentos de sua história, pode ser compreendido como um caso de dissonância cognitiva generalizada. Contudo, para entendermos esse movimento conflitante com a realidade precisamos explorar os desejos e fantasias que percorrem a mente de seus seguidores.
Para sustentar políticas e ideias tão absurdas e nocivas para a população (inclusive seus próprios fiéis), Bolsonaro possuiu um artifício infalível: a ilusão da onipotência. Segundo Freud, desde a origem de nossa vida psíquica carregamos um desejo de onipotência que é frustrado ao se deparar com o mundo real. Aprender a lidar com esse desamparo é um processo que passa pela vida toda e nos ensina a viver em sociedade, introduzindo aquilo que Freud chama de princípio de realidade. Mas sendo um elemento tão fundamental de nosso aparelho psíquico, a fantasia de satisfação ilimitada jamais nos abandona, porém, ela não se sustenta na realidade conforme na vida escutamos diversas vezes a palavra “Não”. A única saída, portanto, se torna a projeção em um Outro, um ser onipotente, forte, perfeito, que não falha, que não brocha etc. Com a construção de tal figura, os indivíduos podem continuar sonhando com o gozo máximo, mas para isso eles passam a servir ao mestre onipotente, acreditando que ele concederá todos os desejos e os livrará de todo o mal — é a história que se repete desde sempre: Faraós, Reis, Ditadores, Messias.
Para ocorrer tal submissão é necessário identificação com o líder, logo, Bolsonaro não é governante apesar de todo absurdo que solta pela boca, mas exatamente por esse tipo de comportamento, que se assemelha muito ao de seus seguidores: racismo, homofobia, misoginia, aporofobia, amor pela autoridade, família, religião, tudo isso faz parte de boa parte dos cidadãos brasileiros e Bolsonaro é a voz deles. Portanto, por mais que ele insista em desgovernar o país, criando um caos na economia, na saúde, na educação, nas relações internacionais e todo o resto, ele não deixa de ser infalível para sua massa, porque seu poder não se sustenta na realidade ou na razão, mas sim na ilusão e nos desejos mais primitivos.

Como derrotar hoje um futuro bolsonarismo

Felizmente, com o resultado das eleições de outubro, a maioria da população mostrou que não acredita na fantasia patriótica, atrapalhando o avanço do movimento bolsonarista. Porém, a disputa de votos foi acirrada e mostrou que Bolsonaro ainda representa boa parte dos brasileiros, os quais não aceitarão calados quatro anos de um novo governo do PT. Sendo improvável acreditar no fim do bolsonarismo, é hora de aproveitarmos essa apertada oportunidade de virarmos o jogo e evitarmos uma possível volta de Bolsonaro em 2026. E para isso acontecer devemos aprender uma lição valiosa com a extrema-direita: enquanto a esquerda brasileira promove ideias vagas e a volta da “normalidade”; o bolsonarismo promete uma revolução. Vejam, a política antissistema de Bolsonaro se conecta muito melhor com os brasileiros que há muito tempo deixaram de acreditar em uma mudança real por meio das instituições. Claro que não passa de uma farsa, visto que Bolsonaro ampliou ainda mais o velho jeitinho de fazer política no Brasil, mas aos olhos de seus seguidores não, porque ao se comunicar ele fala objetivamente sobre problemas que o povo enfrenta no dia a dia, gerando identificação e reconhecimento; enquanto do outro lado, a esquerda palestrinha segue o establishment apenas com uma roupagem diferente. Lula se conecta bem com o povo, mas suas conciliações e seu discurso de governar para todos não podem retornar o equilíbrio da política brasileira ao centro. A realidade é que vivemos tempos difíceis, onde a concentração de renda e a desigualdade só tendem a aumentar, logo, um discurso universalista é ridículo e irrealista. O que precisamos é agir de forma concreta. O que podemos fazer para melhorar a vida das pessoas aqui e agora? Devemos voltar para as bases e fazer perguntas como essa, articular respostas com o povo — a maioria das pessoas se sentem mais motivadas por ideias tangíveis, que podem dar resultados positivos para os problemas que enfrentam no dia a dia. É a partir daí que conquistaremos a adesão da população e aniquilaremos a farsa golpista do bolsonarismo, mostrando que sim é possível “mudar tudo isso que tá aí”, mas de uma forma legítima e que traga benefícios reais para a população brasileira.

--

--