Como a Ideologia molda nossas vidas?

Ideia Crítica
3 min readAug 15, 2022

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Multidão cercada por prédios com anúncios.

O termo ideologia é muito discutido e polemizado, porém, ele é normalmente reduzido ao aspecto político, em que determinadas convicções e ideais se unem formando grupos e partidos políticos que defendem suas ideias. No entanto, a ideologia vai além, construindo uma narrativa de como estruturamos o mundo aos nossos olhos — ela se torna o sistema de crenças que guia nossa vida. Logo, ao compreendermos ideologia como uma visão de mundo, resta a questão: como ela funciona? Como ela cria a maneira de enxergarmos as coisas? Essa é a pergunta que realmente vale a discussão.

A ideologia surge quando o homem começa a crer que as ideias são predeterminadas, quando elas deixam de ser entendidas como consequências das ações humanas e passam a existir por si mesmas. De acordo com Marx e Engels, isso ocorre quando o processo de divisão social do trabalho separa o trabalho manual do trabalho intelectual. A alienação abre o caminho para a ideologia, pois através dela as ideias se exteriorizam e ganham autonomia da consciência humana. Portanto, ao não se entender como produtor de sua própria realidade, o homem concede às ideias que estruturam o mundo — Religião, Filosofia, Direito, etc. —, um poder sobrenatural que antecede sua própria história.

Em uma sociedade dividida em classes como a nossa, as ideias entendidas como universais são as ideias da classe que detém o maior poder. Essas ideias se tornam as únicas alternativas válidas por meio de um mecanismo de controle, o Estado. Ele é a forma de preservação dos interesses da classe dominante que através da ideologia se apresenta como a realização dos interesses de toda a sociedade. Para garantir isso, o Estado tem como seu principal instrumento o Direito — por meio do estabelecimento das leis que regulam as relações sociais, as classes dominantes legitimam suas ações de forma que estas pareçam boas e justas para toda a sociedade.

Contudo, a ideologia da classe dominante não garante sua hegemonia unicamente por meio do aparato jurídico. Na obra Sobre a reprodução, Louis Althusser apresenta os “Aparelhos Ideológicos do Estado” como os mecanismos pelos quais a ideologia permeia a sociedade — família, escola, cultura, política, religião, são todos aparelhos ideológicos do Estado utilizados para manter o controle e a harmonia, evitando assim um conflito violento entre as classes. Segundo Althusser, o aparelho ideológico dominante era a Igreja, porém, no decorrer da história com as lutas políticas e ideológicas entre classes, as formações sociais capitalistas ganharam maturidade e passaram a utilizar o aparelho ideológico escolar como seu principal recurso de dominação. Este atua com eficácia durante os nossos anos de maior vulnerabilidade, inserindo em nossas cabeças a ideologia dominante e seus “saberes” predeterminados.

Segundo alguns pensadores, hoje em dia vivemos em uma sociedade pós-ideológica, mas de acordo com Slavoj Žižek, essa é a evidência de que a ideologia alcançou seu ponto mais alto — ela é tão disseminada em nosso cotidiano que não aparece mais como ideologia, mas como a própria realidade. Em Sublime Object of Ideology, Žižek inverte a fórmula marxista “eles não sabem, mas o fazem” afirmando que a ilusão não está mais do lado do saber, mas naquilo que fazemos. Guiados por uma fantasia ideológica, nós sabemos como as coisas funcionam, mas escolhemos continuar agindo como se não soubéssemos. Portanto, seguindo a teoria lacaniana, Žižek conclui que a função da ideologia não é nos oferecer uma via de escape da realidade, mas nos oferecer a própria realidade social como uma fuga do Real traumático. Em uma sociedade dominada pelo fetichismo da mercadoria, esta cumpre sua função como sublime objeto da ideologia, nos fazendo seguir desejando e consumindo, construindo assim uma visão idealizada da sociedade, uma que não pode existir na realidade.

Enxergar o mundo fora da ideologia capitalista é difícil, mas espero que este breve texto possa servir de início para uma nova perspectiva. Questionar tudo não é só tarefa do filósofo, mas de todos que acreditam que o mundo ainda precisa melhorar. O senso comum é confortável e seguro, mas para mudar a sociedade é preciso confrontar a ordem simbólica que nos domina, basta saber se estamos preparados para lidar com isso.

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